O que aconteceu?
A Disney está em luto pelo rato mais amado do mundo, já você provavelmente se assustou com o título. Não, o Mickey Mouse não morreu. Na verdade, o que aconteceu foi bem mais simples: o roedor se tornou domínio público.
Vale ressaltar que isso se dá apenas para o Mickey oldschool, visto em Steamboat Willie (1928). Os direitos autorais da personagem finalmente expiraram, no início deste ano. O processo foi longo, recheado de tentativas exitosas da Disney para aumentar o período do vencimento dos direitos em questão, na legislação estadunidense.
Quando o personagem foi criado, ainda no século passado, o prazo pelo qual perduravam os direitos autorais norte-americanos era de 56 anos. Hoje, graças aos esforços da empresa mais mágica do mundo, esse intervalo é de 90 anos.
Linha do tempo do caso
Para facilitar a vida do leitor e, também, a título de curiosidade, segue uma pequena esquematização do caso:
- 1909 – É criada a primeira lei de direito autoral nos EUA. Seu período é de 56 anos.
- 1923 – A Disney lança o curta Steamboat Willie.
- 1976 – O Congresso dos Estados Unidos, incentivado monetariamente pela Disney, aprova lei
- que aumenta o prazo dos direitos autorais. Seu período torna-se de 70 anos.
- 1998 – É aprovado um novo aumento, novamente com influência da megacorporação.
- Chega-se, finalmente, ao seu atual período, de 90 anos.
- 2024 – Os direitos autorais pelo curta Steamboat Willie expiram.
Como esse processo ocorre?
Segundo a legislação brasileira, quando, por exemplo, um criador registra uma obra original sua como tal, ele ganha direitos autorais sobre ela. Dividem-se esses direitos em direitos morais e patrimoniais.
Os primeiros dizem respeito ao fato do criador ter direito ao crédito pela obra e à sua integridade como autor. Os segundos, configuram ao mesmo o controle sobre a circulação da obra, além do direito aos lucros provenientes de sua comercialização.
No Brasil, os direitos autorais perduram por 70 anos. Durante esse período, por exemplo, é vedada qualquer circulação da obra sem a autorização do titular de seus direitos, possuindo ou não esta atividade fim lucrativo. Ao fim desse intervalo, tornando-se a obra domínio público, qualquer um pode vir a ganhar direitos autorais sobre ela, não podendo, entretanto, manchar seus direitos morais.
Pertinentemente, a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), em seu artigo 14. que: “É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua.”
Desse modo podemos perceber o motivo da imensa preocupação da Disney, exemplo de empresa que é, ao passar dos anos em realizar lobbies para estender o prazo aqui discutido. Direitos autorais significam lucro, logo, quanto mais protegidos, tanto mais ganhos.
A Disney deixou de lado os esforços pela extensão, momentaneamente, por entender que deve agora ir atrás de outras manobras legais, a fim de manter seu poder econômico sobre suas obras.
Competência há, a nós cabe não questionar se conseguirão ou não, mas sim ver quais as soluções o time legal da empresa, inevitavelmente, encontrará.
Direito autoral e empresarial, são a mesma coisa?
Na verdade, não. O direito pode, muitas vezes, parecer confuso. Entretanto, é interessante não se intimidar com isso e estar sempre informado. O direito autoral, como já explicado, diz respeito ao direito que possui o criador com relação à sua obra. Seu foco é a proteção das criações intelectuais originais.
Já o direito industrial diz respeito às normas que regem a atividade econômica organizada para a produção, circulação de bens, ou ainda de serviços. São, dentre outros, objetos do direito empresarial: o registro de patente, o registro de marca, o registro de desenho geográfico e a repressão à concorrência desleal.
Direito autoral: do que se está e do que não se está protegido?
É importante também destacar a extensão da proteção do direito autoral. Bem explica o artigo 7º da LDA, que deixa claro que sob a sua proteção encontram-se: “[…] as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro […]”.
Adiante, fazendo uma breve leitura da lei em questão, chega-se à conclusão de que o que é protegido pela legislação é somente o direito moral e o direito patrimonial com relação à obra.
Logo, qualquer atitude que não fira nenhum desses dois direitos, não é passível de punição. As atitudes que não constituem ofensa aos direitos autorais se encontram no artigo 46. Algumas delas são, a título de rápidos exemplos:
“A citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra”
“A utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização.”
“A reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.”
Qual a real importância dos Direito Autorais?
Engana-se quem pensa que os direitos autorais são importantes apenas para o criador da obra em si. O direito autoral, como qualquer direito que implique num direito patrimonial sobre qualquer posse, é importante para a sociedade na totalidade.
Muitos pensam assim apenas com o direito de patente. Pense no exemplo de uma vacina: para criá-la do zero o custo é gigantesco. Já para replicá-la, já criada, o valor é infinitamente menor. Logo, para as empresas terem o incentivo de criá-las do zero, cria-se o registro de patente, que no final das contas se volta em benefícios à sociedade.
Entretanto, essa mesma linha de raciocínio segue para o direito autoral. Usando o próprio exemplo do Mickey, é claro que o papel e a caneta utilizados para idealizar e desenhar o personagem não são caros.
Agora, e o dinheiro para a produção de um desenho animado, o dinheiro para a publicação e divulgação, o dinheiro para todas as outras coisas das quais nem sabemos necessárias para criar um desenho de sucesso?
O orçamento de Steamboat Willie foi, pasmem, 4.986,69 dólares. De tal modo, com esse valor, é possível entender o porquê de se assegurar os direitos autorais, mais especificamente os patrimoniais, da obra ao criador.
Caso não houvesse essa garantia, e não se pudesse prever qualquer tipo de lucro que garantisse a obra como investimento, então a obra nunca sairia da cabeça do autor. Podemos tirar disso que Walt Disney não foi o único beneficiado pelos direitos autorais de seu mais famoso personagem, mas também todos os que cresceram se divertindo com ele.
Conclusão
Dito tudo isso, podemos ter uma visão mais clara do que de fato são os direitos autorais, para que servem e sua real importância em nossa sociedade.
É interessante sempre pesquisar, saber mais a respeito de coisas que estão tão perto, mas parecem tão complexas. O setor artístico cresce a cada ano, tornando-se cada vez mais necessário tomar conhecimento de suas nuances, como os direitos autorais.
Assim, é imprescindível um serviço de consultoria jurídica que te dê segurança e garantia de direito à sua obra.