Quais as hipóteses de cabimento de uma revisão contratual
Se tem uma coisa que os últimos tempos nos mostraram, sobretudo diante da pandemia do Covid-19, é que o cenário sócio-econômico pode mudar drasticamente de um dia para o outro. Cabe a nós, então, nos adaptarmos a ele.
Na esfera empresarial, o direito pode oferecer certa segurança jurídica. Por isso, fazer contratos juridicamente válidos é uma garantia para as empresas.
Mas quando as mudanças chegam, como garantir que as prestações e contraprestações contratuais sejam adequadas e cumpridas ao novo contexto?
Esse artigo vai te explicar o que é uma revisão contratual. A ideia é te ajudar a identificar as situações em que você precisa fazer uma revisão contratual (especialmente para se adequar à LGPD) e dar os recursos suficientes para fazê-lo.
O que é a revisão contratual?
De uma forma geral, a revisão contratual é a possibilidade de ajuizar uma ação com o objetivo de reduzir a obrigação de um contrato.
Nesse caso, o fundamento principal que justifica a redução da contraprestação contratual é a impossibilidade de cumprir as obrigações por fatores alheios (como onerosidade excessiva, por exemplo).
Em outras palavras, a revisão contratual permite que uma das partes de um contrato recorra ao Poder Judiciário para alterar cláusulas em situações específicas.
A revisão contratual também é conhecida como cláusula rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão, nas quais presumem que o cumprimento de uma cláusula pressupõe a inalterabilidade da situação de fato.
Então, se a situação de fato mudar em razão de acontecimentos extraordinários que tornem o cumprimento excessivamente oneroso para a pessoa devedora, pode-se requerer ao juiz para que a isente da obrigação de forma parcial ou total.
Contexto histórico da revisão contratual
Pois bem, sabe-se que as pessoas podem exercer a autonomia da vontade na esfera patrimonial através de relações obrigacionais.
Ou seja: através dos contratos as partes se obrigam a dar, restituir, fazer ou não fazer alguma coisa. Os contratos são, assim, um negócio jurídico de natureza bilateral.
Nesse ponto, é importante considerar que o Código Civil de 1916 recebeu forte influência do liberalismo, da valorização do indivíduo, da liberdade e da propriedade da legislação francesa.
Então, a base contratual do Código Civil de 1916 tinha características individualistas, a partir de uma igualdade formal. Isto é, as obrigações contratuais pressupunham a igualdade das partes para negociarem.
Assim, os contratos obedeciam o pacta sunt servanda: as cláusulas contratuais eram como leis entre as partes e, portanto, imutáveis e obrigatoriamente respeitadas.
No entanto, com o advento do Código Civil de 2002 houve um rompimento do aspecto individualista dos contratos, que não mais suportavam a predominância de desequilíbrios e cláusulas abusivas e de má-fé.
Sendo assim, a partir da inclusão do princípio da socialidade, a obrigatoriedade das cláusulas contratuais foi mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Nesse contexto, o direito contratual passou por uma adaptação e adquiriu a função de realizar a justiça e o equilíbrio contratual.
A função social do contrato se efetiva na intervenção do Estado (através do poder judiciário em uma ação judicial de revisão) para garantir os princípios da boa-fé no adimplemento das obrigações contratuais.
Requisitos da revisão contratual
O artigo 478 do Código Civil estabelece a possibilidade da revisão contratual nos seguintes termos:
“nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato”.
Por esse motivo é que se diz que, nas relações civis, aplica-se a teoria da imprevisão alinhada a uma onerosidade excessiva.
Quer dizer, o artigo estabelece as seguintes situações para viabilizar uma revisão do contrato:
- Acontecimento de um evento extraordinário e imprevisível;
- Que torne a prestação excessivamente onerosa e resulte em extrema vantagem para a outra parte.
Ou seja, existem dois elementos essenciais para viabilizar a revisão judicial de contratos: (a) a imprevisibilidade e extraordinariedade do acontecimento; (b) o desequilíbrio contratual por onerosidade excessiva.
O primeiro requisito de imprevisibilidade e extraordinariedade diz respeito aos eventos que são impossíveis de se prever pelas partes contratantes. Como, por exemplo, a pandemia do Covid-19 ou a variação abrupta do dólar americano em 1999.
Além do mais, o segundo requisito de desequilíbrio contratual refere-se à desproporção entre a prestação e a contraprestação o que, por consequência, provoca uma desvantagem exagerada para uma das partes.
Revisão contratual na LGPD
Não existem mais dúvidas sobre o valor que os dados têm para as empresas, especialmente diante dos benefícios estratégicos que eles trazem para o negócio.
No entanto, de um bônus surge o ônus. Por um lado, as empresas recebem o valor de acessar dados de seus usuários. Por outro lado, recebem uma nova responsabilidade: a necessidade de garantir a segurança desses dados.
A LGPD surgiu como uma forma de regulamentar o compartilhamento de dados online e para garantir mais segurança aos clientes.
Nesse contexto, a partir do dia 1º de agosto de 2021, os artigos 52, 53 e 54 da Lei Geral de Proteção de Dados, referentes às sanções administrativas pelo descumprimento da LGPD, entraram em vigor.
Isso significa que, a partir dessa data, as empresas que descumprirem as regras da LGPD passaram a ser responsabilizadas através de sanções administrativas: que vão desde advertências e multas até o bloqueio e eliminação dos dados pessoais.
Uma das etapas para a adequação à LGPD consiste na elaboração e revisão de documentos, inclusive contratos entre agentes de tratamento.
Limitação da utilização dos dados pessoais
O primeiro ponto da revisão contratual para adequação à LGPD é estabelecer contratualmente as responsabilidades entre as partes envolvidas no tratamento de dados pessoais.
Em outras palavras, é necessário que se estabeleça formalmente a finalidade, a transparência e responsabilidade, previstas nos incisos I, VI e X do artigo 6º da LGPD.
A finalidade desse artigo é proceder a “realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.
Sendo assim, é fundamental que exista uma cláusula contratual que impeça a utilização de dados pessoais para finalidade diversa daquela que foi prevista no objeto do contrato.
Previsão das medidas de segurança
Além do mais, a LGPD (e o art. 5º da GPDR) também estabelece que os agentes de tratamento de dados deverão adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados ou de situações acidentais (art. 6º, VII e 46).
Essa é outra cláusula importante que deve estar prevista no instrumento contratual.
Atendimento dos direitos das pessoas titulares
Outro ponto a ser considerado na elaboração ou na revisão contratual é a inclusão da previsão de cooperação entre as partes para atender os direitos das pessoas titulares.
É importante mencionar que na LGPD já consta expressamente o prazo para o atendimento aos direitos das pessoas titulares (art. 18). No entanto, é interessante que as empresas definam um fluxo para esse atendimento.
Outras causas de revisão contratual na LGPD
Enfim, existem muitas outras importantes cláusulas para se adequar à LGPD que devem constar no contrato firmado entre os agentes de tratamento.
Esses tópicos são apenas exemplificativos (de forma alguma exaustivos):
- Dever de confidencialidade;
- Obrigação do operador relatar ocorrência de incidentes de segurança;
- Devolução dos dados ao controlador ou eliminação dos dados de forma segura;
Pois bem. É possível perceber que deve-se analisar diversos pontos na hora de contratar operadores na celebração ou na revisão de contratos.
Inclusive, a não observância desses critérios pode colocar em risco todo o esforço da empresa em se adequar à LGPD.
Já deu para perceber que proceder uma revisão contratual, sobretudo de adequação à LGPD, está bem longe de ser uma tarefa simples, não é?
Afinal de contas, envolve muitos detalhes, muitas burocracias e pode ter consequências jurídicas bastante complexas.
Nesse caso, é fundamental contar com conhecimentos técnicos e aprofundados. Para garantir a sua segurança jurídica, conversar com uma assessoria jurídica personalizada é uma alternativa.
A assessoria irá entender quais são as suas necessidades específicas e fornecerá recomendações úteis ao seu negócio.
Escrito por Beatriz Coelho, redatora e mestra em Direito.