Criar uma startup é um momento repleto de ideias inovadoras e planos de crescimento. Contudo, a fase de ideação, onde as bases da futura empresa são estabelecidas, requer atenção meticulosa a diversas demandas jurídicas.
Neste artigo, exploraremos as principais questões jurídicas que os empreendedores devem priorizar durante a fase de ideação. Desde o registro de marca até a criação de acordos de sócios, abordaremos os aspectos essenciais que não podem ser negligenciados.
1. Demandas jurídicas prioritárias durante a fase de ideação
Registro de marca
Durante a fase de ideação da sua empresa, é comum o surgimento de novas ideias que te diferenciarão da concorrência no mercado. Para que ninguém se aproprie dessas inovações, é essencial proteger sua propriedade intelectual.
O principal elemento que deve ser protegido é a sua marca e para isso é necessário registrá-la no INPI. Registrar sua marca evita que terceiros utilizem o nome da sua empresa indevidamente e te garante proteção legal exclusiva.
Para aprender mais informações sobre esse tema, consulte nosso artigo com tudo o que você precisa saber sobre o registro de marca no INPI
Termos de confidencialidade (NDA)
NDA se refere à sigla em inglês Non Disclosure Agreement, e, em português, quer dizer termo ou acordo de confidencialidade.
Esse acordo tem a função de proteger as informações sigilosas do seu negócio, evitando que essas sejam compartilhadas por parceiros, fornecedores e investidores.
Algumas informações que devem estar contidas em um NDA são: quais são os dados a serem protegidos, qual a duração da confidencialidade, quais as obrigações das partes etc.
Além de proteger os segredos da sua empresa, os termos de confidencialidade também são importantes para manter suas vantagens competitivas, evitar problemas de imagem e respeitar a LGPD.
CNAE
CNAE é a sigla referente à Classificação Nacional das Atividades Econômicas. Trata-se de um sistema de padronização nacional que utiliza códigos de atividades econômicas e critérios de enquadramento aplicados por diversos órgãos da Administração Tributária do Brasil.
Esse sistema serve principalmente para identificar quais atividades determinada empresa realiza. Além disso, auxilia no controle de tributos e coleta dados estatísticos sobre o empreendedorismo brasileiro que são usados para a criação de políticas públicas.
A CNAE é exigida de todas as pessoas jurídicas, portanto é essencial que todo empreendedor se atente a essa questão ao abrir uma empresa, visando evitar problemas com órgãos governamentais.
2. Questões societárias a se estabelecer
2.1. Estrutura societária
Sociedade Limitada (LTDA)
As sociedades limitadas (LTDA) têm como principal característica a divisão do capital social em quotas e os sócios possuem responsabilidades e poder de voto proporcionais aos valores de suas quotas.
Algumas vantagens desse modelo são a flexibilidade na gestão e a menor complexidade quando comparado com o modelo de sociedade anônima.
Sociedade Anônima (S.A)
As sociedades anônimas (S.A) são utilizadas para empresas de grande porte que exigem maior captação de recursos e, nesse caso, o capital é dividido em ações.
Embora a organização e gestão desse tipo de empresas sejam mais complexas, existe a promissora possibilidade de atrair investidores externos através do mercado de ações, facilitando a captação de recursos.
Sociedade Simples (S/S)
As sociedades simples (S/S) possuem atuação voltada para atividades intelectuais, de natureza científica, literária ou artística.
Esse sistema é muito interessante para profissionais liberais e possui um funcionamento menos burocrático.
Empresa Individual (EI)
Na empresa individual (EI), o titular exerce a atividade empresarial em nome próprio, sem possuir um sócio.
Para uma EI, não existe a imposição de um capital social mínimo para sua abertura, portanto necessita de um baixo investimento para sua abertura, tornando-se mais acessível.
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI)
A EIRELI também permite que uma única pessoa crie uma empresa, sem a necessidade de formar uma sociedade.
Quanto às diferenças entre EI e EIRELI, a EI é mais simples e pode ser adequado para negócios menores com menor risco financeiro, já a EIRELI oferece maior segurança ao limitar a responsabilidade ao capital social, sendo uma escolha mais segura para negócios com maior risco ou necessidade de proteção patrimonial.
2.2. Acordos de sócios
Caso você opte por criar uma sociedade, é indispensável desenvolver acordos de sócios, que são documentos fundamentais para definir as regras de convivência entre os sócios.
Primordialmente, é preciso definir claramente as responsabilidades e funções de cada pessoa dentro da instituição, assim como estabelecer os direitos de cada sócio, deixando claro a participação nos lucros, o direito ao voto etc.
Outro ponto crucial para um bom acordo de sócios são as cláusulas de vesting. No decorrer desse artigo voltaremos a falar de vesting, de maneira mais detalhada.
De maneira simplificada, as cláusulas de vesting estabelecem um período em que os sócios ganham direito sobre suas cotas de forma progressiva. Esse é um recurso extremamente útil para incentivar a permanência dos sócios na startup.
2.3. Regras para a entrada e saída de sócios e a gestão de conflitos
Definir as regras para a entrada e saída de sócios é necessário para evitar conflitos e manter o bom funcionamento da empresa.
Previamente ao processo de entrada de sócios devem ser definidos os critérios de seleção e os direitos e obrigações dos novos sócios.
Já para a saída de sócios, seja ela voluntária ou involuntária, devem ser estabelecidas as regras, os prazos de aviso e o procedimento de recompra das quotas.
Para o termo de desligamento dos membros, também devem ser instituídas cláusulas de não concorrência (para evitar que os ex-sócios trabalhem com os concorrentes) e cláusulas de confidencialidade (para manter as informações sigilosas privadas).
Quanto à gestão de conflitos, mecanismos de mediação e arbitragem podem resolver problemas sem que eles cheguem à esfera judicial.
3. Contratos para investimentos iniciais
3.1. Termos de investimento
Rodadas de investimento
As rodadas de investimento são etapas seguidas por empresas que buscam captar recursos financeiros externos. Essas rodadas dependem do nível de desenvolvimento da startup. Algumas dessas etapas são:
- Seed (capital semente): o investimento seed é o capital inicial para o desenvolvimento de um ideia, produto ou serviço.
- Angel (investimento angel): investidores anjo são empresários que dispõem de seus recursos pessoais para investir em startups de capital inicial.
- Série A: essa é a rodada de investimentos destinada às startups que já receberam o capital semente e agora precisam estruturar melhor a empresa
3.2. Tipos de contrato
Mútuo conversível
De acordo com o artigo 586 do código civil, um contrato de mútuo é um empréstimo de coisas fungíveis, que devem ser restituídas ao mutuante em mesmo gênero, quantidade e qualidade.
No caso específico dos mútuos conversíveis, o empréstimo pode ser convertido em ações ou quotas da empresa no futuro.
Algumas das vantagens desse tipo de contrato são a rapidez com que esse investimento pode ser utilizado e a diminuição dos riscos trazidos ao investidor, que não precisa se preocupar com problemas típicos de investimentos convencionais.
SAFE
SAFE é a sigla para Simple Agreement for Future Equity. O SAFE foi criado por uma das maiores aceleradoras do mundo e é baseado na legislação americana.
É um modelo de contrato que viabiliza a disponibilização de capital, permitindo que o investidor, no futuro, converta esse capital em cotas de participação na empresa.
A principal diferença entre SAFE (Simple Agreement for Future Equity) e Mútuo Conversível está na estrutura e nas obrigações financeiras. O SAFE não é um empréstimo e não possui juros nem data de vencimento, sendo convertido em ações na próxima rodada de financiamento.
Em contraste, o Mútuo Conversível é inicialmente um empréstimo que acumula juros e tem uma data de vencimento; se não convertido em ações, deve ser reembolsado.
4. Seguranças jurídicas a se atentar
LGPD
A adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é relevante não só em relação à conformidade legal, mas também à confiança nas negociações.
Uma startup consciente das políticas de privacidades constrói relacionamentos sólidos com seus clientes e assim, garante um crescimento seguro.
Existem uma série de fatores envolvidos como:
- Consentimento explícito dos titulares dos dados;
- Informações claras sobre como os dados serão usados e com quem serão compartilhados;
- Medidas de segurança adequadas contra acesso não autorizado ou uso indevido;
- Registros das atividades de processamento de dados;
- Cláusulas contratuais que garantam a proteção adequada;
5. Contratos para tração da startup – incentivos e estímulos à equipe
Vesting
O Vesting é um conceito fundamental para startups, especialmente quando se trata de estruturar acordos de participação acionária com seus fundadores, equipe e investidores.
Desempenhando um papel crucial no sucesso das startups, ajuda a alinhar os interesses, recompensar o desempenho, atrair talentos, proteger investimentos e oferecer flexibilidade e personalização para empresas em estágio inicial.
Startups estão sujeitas a altas taxas de rotatividade de funcionários e fundadores. O Vesting protege a empresa contra partidas prematuras, garantindo que os benefícios da participação acionária sejam recebidos apenas por aqueles que permanecem na empresa por um período de tempo definido.
O contrato pode ser personalizado de acordo com as necessidades e circunstâncias específicas de cada startup.
Os períodos de aquisição, as condições de aceleração e outros termos podem ser ajustados para refletir os objetivos e as expectativas da empresa e de seus stakeholders.
6. Negociações
MoU
Memorando de Entendimento (MoU) é um acordo que expressa um entendimento mútuo entre duas ou mais partes antes que um contrato final seja firmado.
Um MoU pode servir como um ponto de partida para negociações mais detalhadas e contratos formais no futuro.
Para startups, essa pode ser uma ferramenta valiosa para formalizar acordos, estabelecer expectativas claras e promover o crescimento conjunto. Não é legalmente vinculativo, mas sinaliza a intenção de trabalhar em conjunto para um propósito comum.
Para empresas envolvidas em projetos de desenvolvimento conjunto, pesquisa ou inovação, esse acordo pode definir claramente como a propriedade intelectual será tratada.
Podendo incluir questões como a propriedade dos direitos autorais, patentes ou segredos comerciais resultantes da colaboração.
A partir disso, o objetivo da colaboração é definido de forma clara, seja um o desenvolvimento conjunto de produtos, compartilhamento de recursos, acesso a mercados ou qualquer outra finalidade.
M&A
As M&A, “Fusões e Aquisições”, para startups podem ocorrer por uma variedade de motivos, incluindo estratégias de crescimento, acesso a novos mercados, obtenção de tecnologia ou talento, entre outros.
Para startups menores, ser adquirida por uma empresa maior pode oferecer acesso a mais recursos financeiros, uma base de clientes mais ampla e uma rede de distribuição estabelecida.
Por outro lado, para startups maiores, a aquisição de outras startups pode ser uma maneira eficiente de expandir seu portfólio de produtos, adquirir tecnologia inovadora ou talentos especializados.
As fusões e aquisições são uma parte essencial do ciclo de vida das startups, oferecendo oportunidades de crescimento, acesso a recursos e inovação, ao mesmo tempo em que ajudam a reduzir os riscos e proporcionam saídas estratégicas para os fundadores e investidores.
7. Processos jurídicos que garantem a confiança de um investidor
Due diligence
A Due Diligence, ou “diligência prévia”, é um processo que ajuda a mitigar riscos, tomar decisões informadas, proteger interesses e construir confiança com stakeholders.
É um processo de investigação de uma oportunidade de negócio que pode ser feita pelos investidores, ou até mesmo pela própria startup a fim de mapear os pontos fortes e fracos da empresa.
Ao identificar potenciais problemas ou áreas de preocupação, as empresas podem tomar medidas para mitigar riscos e proteger seus ativos e reputação.
Uma due diligence completa fornece às empresas insights valiosos que podem ser usados para negociar termos mais favoráveis em transações, contratos e acordos.
A partir de seu resultado, pode direcionar a startup a ajustes de preço, cláusulas de proteção e garantias adicionais.
Ao demonstrar um compromisso com a transparência e a integridade por meio desse processo, as empresas podem construir confiança com investidores, clientes, parceiros e outros stakeholders – algo fundamental para o sucesso a longo prazo da empresa.
8. Mudanças recentes e o que isso afeta
CICC
O Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC), aprovado pelo Senado em 2024, traz uma modernização dos mecanismos de investimentos em startups.
Essa nova modalidade contratual possibilita que um investidor aporte recursos às startups, que sejam conversíveis em capital social, mas não possuam natureza de dívida
Diferentemente do mútuo conversível, que propõe uma integração ao capital social da startup, correndo riscos não só de dívidas, mas também riscos jurídicos (tributários, trabalhistas, cíveis, etc).
9. Conclusão
Ao longo do artigo, abordamos uma ampla gama de demandas jurídicas que emergem durante a fase de ideação de uma empresa.
Desde o registro de marca e a proteção da propriedade intelectual até a estruturação societária, os contratos de investimento e a conformidade com regulamentações como a LGPD, cada aspecto legal desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e na proteção do negócio.
Ao compreender e priorizar essas demandas, os empreendedores podem estabelecer bases sólidas para o crescimento sustentável de suas startups, mitigando riscos e aproveitando oportunidades no mercado.
Portanto, ao iniciar uma jornada empreendedora, é essencial buscar orientação e investir no suporte jurídico necessário para garantir o sucesso a longo prazo de sua empresa.